VICENTINHO RELEMBRA 1º DE MAIO HISTÓRICO

TRABALHADORAS E TRABALHADORES FAZENDO HISTÓRIA

Hoje lembro o meu primeiro de maio inesquecível. Por ter sido o mais importante de todos para nós: trabalhadores. 1º de maio de 1980. Foi um dia de luta. Todas as lideranças que apoiavam nosso movimento, sobretudo da Grande São Paulo, resolveram fazer a comemoração em São Bernardo do Campo, principalmente porque nossa diretoria estava presa. Vivíamos uma forte greve, havia muito enfrentamento à ditadura militar.

Lembro bem das palavras de ordem que gritávamos com muita euforia: “Trabalhador unido jamais será vencido!” Ou então: “A luta continua, a luta continua!” Essa era uma mensagem de esperança a cada golpe que recebíamos. Também gritávamos em coro: “Vai acabar, vai acabar a ditadura militar!” Depois evoluímos para: “Greve geral derruba general!” Senhores deputados, essas eram as mais importantes palavras de ordem que gritávamos na Vila Euclides, nas passeatas, dentro das igrejas, enfim, nas assembleias populares.

Nesse dia acordei cedo para ir à igreja Matriz de São Bernardo, pois haveria a missa do dia 1º de Maio. Naquele dia, um feriado, a cidade estava diferente. Geralmente em feriado a cidade fica tranquila, há menos ônibus circulando, menos pessoas pelas ruas. Mas naquele feriado não, havia muitos ônibus, todos lotados indo na mesma direção. Quando descemos lá na praça da igreja Matriz, na avenida Faria Lima, todo mundo desceu, ou seja, todos tinham o mesmo objetivo: participar das comemorações naquela que seria a data história no ABC paulista. Eram muitos ônibus fretados, muitos carros chegando e muita gente vindo a pé, dos mais distantes bairros. E, como não podia deixar de ser, muitas viaturas policiais parando carros na Via Anchieta, a fim de impedir que os carros chegassem até a Matriz.

A igreja estava cercada de policiais. Do lado de dentro a lotação era de companheiros que aguardavam a celebração da missa. A praça também estava tomada por companheiros. Quem estava dentro da igreja não saía e quem estava do lado de fora não podia entrar, principalmente porque havia um cerco da polícia. Os policiais cercaram, inclusive, o estádio da Vila Euclides, já prevendo que iríamos para lá. O estádio havia sido tomado havia alguns dias, na tentativa de impedir que o ocupássemos. Também a praça municipal da prefeitura, no Paço Municipal, estava ocupada pelos policiais. No entanto, todo esse aparato não impediu a chegada de trabalhadores que lotavam mais e mais aqueles espaços. Naquele momento, outras palavras de ordem foram gritadas: “Irmão soldado, você também é explorado!” E os soldados perfilados. Uma cena me marcou, era de um soldado perfilado, cuja lágrima deslizava em seu rosto.

Eu soube, também que um outro jogou o cacetete , o chapéu, rasgou a roupa, desabotoou a camisa e foi embora. É verdade que entre os soldados havia muitos, como ocorre até hoje, que são filhos de operários, que jamais poderiam permitir que a força pública do Estado fosse usada para atender a objetivos econômicos das empresas e do Estado capitalista, que queriam nos calar, já que vivíamos em plena ditadura militar. Os gestos desses soldados que se solidarizaram conosco me marcou bastante. E, quanto mais um chorava, mais nós gritávamos: “Irmão soldado, você também é explorado!”

Havia algumas mulheres que estavam dando flores para os soldados, uns recebiam, outros não. Mas eu imagino o que eles passaram naquele momento. Havia também outras mulheres que estavam com o dedo em riste, bravas, falando com autoridade para os soldados que estavam perfilados e prontos para nos atacar. No alto, víamos helicópteros se aproximando, profissionais da imprensa também por terra, de jornais e da televisão. E a nossa tensão era muito grande. Começamos a ficar preocupados porque o pessoal começou a desmontar o piso da praça (que era de pedras) cada um se armando com pedras, na expectativa de ter que enfrentar os policiais.

Prevíamos que se aquela situação se confirmasse, ia acabar morrendo gente. E era gente chegando, muita gente… Chegou a um ponto em que os policiais representavam apenas 1% (uma parcela ínfima de policiais) das pessoas que estava ali. De repente, senhores deputados, uma gritaria saia de dentro da igreja, formou um eco na praça e chegou até nós. O que aconteceu? Perguntávamos eu e meus companheiros. Na igreja foi dito que a praça seria liberada e provocou uma enorme reação de alvoroço no pessoal. Com isso, víamos a polícia retirando os camburões, os cachorros, pegando as correntes que cercavam a igreja e nós começamos a gritar: “Liberou geral! Liberou geral!” Fomos invadidos por uma enorme emoção que só quem viveu aquela greve, e momento, só consegue imaginar o que sentimos naquele momento.

E a missa terminou. O padre encerrou a missa, o povo começou a sair e nós descemos a Avenida Marechal Deodoro da Fonseca, em São Bernardo do Campo e fomos cantando: “Trabalhador unido jamais será vencido! Lula, Lula, Lula! Viva a direção!” E nós saímos todos abraçados. Na saída da igreja, eu vi padres chorando.

Chegamos no Paço Municipal. Assistimos a polícia retirando os camburões, retirando a cerca. Naquele momento bateu uma saudade, pois era ali que a gente se reunia. Nos abraçamos, demos as mãos uns aos outros. Era tudo muito impulsivo, estávamos todos muito carentes.

Dali seguimos para a Vila Euclides, para o velho e querido estádio da Vila Euclides. Era ali que tomávamos decisões importantes, que cantávamos as músicas de luta e que ouvíamos as várias musicas tocadas nos nossos movimentos. Era ali que apareciam as autoridades. Foi ali que Dom Cláudio Humes, hoje cardeal arcebispo de São Paulo, rezou o primeiro Pai Nosso. Foi ali que ficamos um dia sob o comando do exército cada um segurando a bandeira do Brasil, porque havia ameaça de bombas.

Há um ditado que diz: deitamos e rolamos. Nós,  literalmente deitamos e rolamos na grama, abraçamos a grama, beijamos o chão e tínhamos a impressão de ouvir o eco das grandes assembleias, da fala rouca do Lula nos convencendo da importância da luta, das orações, dos gestos, das mensagens lidas que vinham de fora, do levantar dos braços na hora das votações. Ali, portanto, era o grande marco, o grande momento para nós. Toda vez que eu passo lá, ainda hoje, é impossível não lembrar. Sempre que passo por lá me lembro daqueles dias e, principalmente, do 1º de Maio de 1980. E não há como não me emocionar.

Naquele dia tudo estava colaborando para que tivéssemos sucesso, até mesmo a temperatura. Era um belo dia de sol que brilhava e refletia seus raios sobre todos nós. Assim que fizemos nossas saudações àquele espaço, ficamos todos em silêncio e começamos a rezar o Pai Nosso.

VICENTE PAULO DA SILVA – Vicentinho, é Deputado Federal pelo PT/SP.

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