Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, hoje recebi nesta Casa Pedro Augusto, mais conhecido por Pedrinho de Dona Bel, um jovem ligado à terra, gerente do Banco do Brasil da minha cidade de Acari, lá no Seridó do Rio Grande do Norte.
Eu já tinha ouvido falar dos relatos sobre as secas. Já tinha ouvido falar do drama dos produtores rurais.
Vou ler as palavras de Pedro Augusto, o Pedrinho de Dona Bel, assumindo-as como minhas:
Os produtores que já tinham aceitado a sentença de morte do rebanho, um que foi tentar apurar o gado e devido a grande oferta decorrente do abate coletivo de animais escutou do marchante a negativa de que não tinha condições de comprar nem tão cedo as suas reses.
Diante da resposta, o nobre sertanejo resignou-se na sua dor, afirmando que agora era esperar o fim agonizante do seu rebanho. Outro depoimento relata que outro criador estava pensando em encurtar o sofrimento do rebanho por um horrendo sacrifício coletivo dos animais e deixando para o carcará se alimentar.
Em outras plagas já existem relatos e desfechos semelhantes. Por mais que eu conheça essa realidade, dá um nó na goela. Falou o amigo Pedrinho.
Não ouço ninguém do Seridó falando em tentar escapar o rebanho. Quem ainda não jogou a toalha ou o gancho de queimar espinho, peleja juntar forças para engordar o gado e apurar mais tarde.
Mas, mesmo que as suas forças permitam, o sucesso na empreitada não se sabe por quanto, nem quando e nem quem. A única certeza: não tem como enfrentar a tarefa de escapar do rebanho, tanto é a danada da seca.
Mesmo sendo aquele gadinho o principal patrimônio do cidadão, o que mais aflige é presenciar o seu sofrimento. O que mais entristece o sujeito não é o seu próprio destino, é o destino do seu rebanho. Não é um apelo simplesmente ao material, é o respeito e a gratidão aos seres viventes que guarnecem o seu sustento. Ver morrer de fome quem lhe dá comida é uma dor horrível. Seu rebanho não é um legado material, é um legado de vida. Já ouvi muitas vezes a frase: Vão-se os aneis, ficam os dedos. Creio que em qualquer outra situação, a frase é muito válida. Mas neste caso, não. Ao perder o rebanho, o sertanejo não perde só o anel, nem só o dedo: perde o braço, perde a dignidade. Muitas vezes perde o sentido da vida.
Continua dizendo o Pedrinho: Seria interessante que os que se mantêm alheios ao problema — eu chamo a atenção de nós, Deputados, que presenciassem uma vaca parida agonizando junto com o bezerro, sem força para se levantar. Seria interessante que presenciassem o semblante do produtor ao aceitar o destino do rebanho a que tem tanto apego; o boi da carroça, que sempre goza de uma estima diferenciada, devido ao respeito à sua missão árdua, diária; o cavalo baixeiro, a quem sempre se orgulhou em desfilar e causar inveja aos apreciadores do passo macio; o burro bom de campo, companheiro constante e única testemunha dos seus prodígios e atos de bravura, praticados na solidão da labuta, na densa caatinga, numa jornada de destemor e coragem; as miúças, as fronteiras, uma vida, tudo prestes a desaparecer.
Essas palavras, Sr. Presidente, são de um trabalhador rural. Ainda bem que existem políticas públicas para o trabalhador rural. Ainda bem.
Mas da seca, que hoje aflige o nosso Nordeste, ainda não se fala muito por aqui. É, quem sabe, uma das piores secas dos últimos 30 anos. E eu falo disso, mesmo sendo Deputado de São Paulo, porque sou sertanejo, sou nordestino. Na seca de 1970, eu tive que parar de estudar para trabalhar construindo serras, estradas de rodagem, passando necessidade, trabalhando por um pedaço de jabá.
Faço um apelo à Presidenta Dilma, faço um apelo à CONAB, faço um apelo aos bancos públicos, que adotem políticas de sustentação, que invistam nessa estiagem, pois o nosso povo nordestino está esperando. Já faz muito tempo que o nordestino está indo de São Paulo à terrinha, mas, do jeito que está a situação, se não houver apoio nem política, corre-se o risco e perdermos muito com isso. Por isso eu quero gritar, e espero que este Parlamento adote medidas, junto com o nosso Governo para sanar o sofrimento do nosso povo.
E, por fim, Sr. Presidente, queria pedir para colocar como meu pronunciamento uma poesia de Jesus de Rita de Miúdo, cujo título é O vaqueiro chorou vendo a ossada do cavalo que a seca assassinou.
Muito obrigado.
DEPUTADO VICENTINHO
O vaqueiro chorou vendo a ossada do cavalo que a seca assassinou.
(Jesus de Rita de Miúdo)
Sete meses, meu bem, ele passou fora
Viajando para as terras do Sudeste
Foi fugindo dessa seca, dessa peste
Que lhe esmaga, lhe aniquila e lhe devora.
Decidido, no entanto, veio embora
Pra o sertão que o seu peito sempre amou
Pois paixões, sua alma aqui deixou
E chegando aqui, logo na entrada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.
Relembrou com saudade os velhos dias
Sobre o amigo perseguindo um boi bem brabo
Derrubando-o, na faixa, pelo rabo
Recebendo aplausos em honrarias.
Esqueceu-se, porém, das alegrias
Vendo ali, sobre o solo, o que sobrou
Do amigo fiel que tanto amou
Num soluço da alma alquebrada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.
Nem os carinhos de sua linda donzela
Lhe remiu da tristeza ali presente
Nem o céu que escureceu bem de repente
Atenuam a dor que lhe martela.
Sem fugir da cena que lhe flagela
O vaqueiro bem triste aboiou
Quando a brisa, do poente, forte soprou
E lhe trouxe a chuva tão esperada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.
Nem a água caindo lá de cima
Com as lágrimas molhando o seu rosto
Lhe tirou de tão grande desgosto
De perder aquele por quem lastima
No aboio, solitário, uma última rima
Enquanto um raio, caindo, lhe iluminou
Com sua voz, o trovão se misturou
Dando mais tristeza à cena enlutada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.
Foi saindo devagar daquele canto
Perdido nos devaneios da lembrança
Consigo, mesmo assim, leva esperança
Que Deus dê consolo ao seu pranto.
A tristeza lhe cobria, era seu manto
E na donzela amada ele se apoiou
Dando um adeus inibido ao que restou
Suspirando de saudade na última olhada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do cavalo que a seca assassinou.
Sua dor se tornou a mais plangente
Quando em casa abraçou sua viola
Feito pássaro preso na gaiola
Assobiando muito baixo e bem dolente.
Sua rima se tornou sua confidente
E em versos sua mágoa assim gravou
Enfatizando o que pôde e relembrou
Consternado e cantando numa toada,
O vaqueiro chorou vendo a ossada
Do Cavalo que a seca assassinou.
—
Jesus de Rita de Miúdo.
CRA – RN 3299
Cell.: (84) 9962 4747
Acary do Seridó (RN).
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